

Li este livro por sugestão de uma amiga minha, e fiquei deveras surpreendida. Não sei porquê, nunca tinha tido curiosidade de ler nada de Mário de Sá-Carneiro… e, graças a ele, mudei completamente de opinião.
O livro narra a história do melhor amigo do autor que cometeu suicídio.
Nele se procura encontrar as razões que o levaram a praticar tal ato.
Seria o seu amigo louco?
Afinal o que é a loucura?
Será a normalidade apenas uma convenção?
Serão as pessoas ditas normais aquelas que no fundo se constituem como o grupo maioritário que adere a determinadas convenções de comportamento?
Onde começa a loucura como perturbação psiquiátrica, de apenas desvio das regras convencionais? Onde se traça a linha?
E não estará a genialidade, tantas e tantas vezes, perto da fronteira?
Não são os génios, por definição, pessoas que saem da “norma” e, por isso mesmo, apelidados como tal?
Não são questões fáceis, e a mim, particularmente, dizem-me muito, até por razões pessoais.
Pois já me senti na fronteira, já me senti a passar para o lado de lá. Já me senti completamente fora da normalidade durante uns largos anos da minha vida.
E tentava. Tentava me encaixar, tentar ser “normal” e questionava-me se era a única pessoa a sentir-me assim…
No meu caso, sim, deveu-se a uma perturbação de saúde mental na medida em que tomou um caráter patológico. Mas a partir de quando? Ainda hoje me é difícil traçar essa linha.
Assim, não pude de deixar de sentir empatia, e mesmo uma certa identificação e compreensão, por Raul, a personagem atormentada do livro, que, apesar de ter alguns comportamentos verdadeiramente sinistros, não me fez sentir qualquer tipo de repulsa, talvez pela forma magistral como está escrito pelo Mário de Sá-Carneiro.
Sem julgamentos, sem críticas, apresenta-nos a personagem através de factos, acontecimentos, numa tentativa de tentar percebê-lo.
Um pequeno livro que se lê em pouco tempo, que adorei e me despertou o interesse para ler mais obras do autor.
(Marta Monteiro Alves)
“Loucura? — Mas afinal o que vem a ser a loucura?… Um enigma… Por isso mesmo é que às pessoas enigmáticas, incompreensíveis, se dá o nome de loucos…
Que a loucura, no fundo, é como tantas outras, uma questão de maioria. A vida é uma convenção: isto é vermelho, aquilo é branco, unicamente porque se determinou chamar à cor disto vermelho e à cor daquilo branco. A maior parte dos homens adoptou um sistema determinado de convenções: é a gente de juízo…
Pelo contrário, um número reduzido de indivíduos vê os objectos com outros olhos, chama-lhes outros nomes, pensa de maneira diferente, encara a vida de modo diverso. Como estão em minoria… são doidos…
Se um dia, porém, a sorte favorecesse os loucos, se o seu número fosse superior e o género da sua loucura idêntico, eles é que passariam a ser os ajuizados: «Na terra dos cegos, quem tem um olho é rei», diz o adágio: na terra dos doidos, quem tem juízo, é doido, concluo eu.
O meu amigo não pensava como toda a gente… Eu não o compreendia: chamava-lhe doido…
Eis tudo.”
(Mário de Sá-Carneiro, in “Loucura”)